“Lolita”, do escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977), ainda é o mais famoso e polêmico romance da literatura contemporânea universal, considerado uma obra prima da década de 20. Foi publicado somente em Paris (1955), após recusa de quatro diferentes editoras; o motivo destas considerações está focado em seu tema: a pedofilia.
Ora - pensei - qualquer pessoa considerada normal, dentro da moral e dos costumes de nossa sociedade ocidental, entende a pedofilia como um assunto não só polêmico como repugnante. Mas por que então, ao ser lançado nos EUA em 1958, alcançou rapidamente o posto de livro mais vendido? E por que até hoje é classificado como obra prima?
Nabokov utilizou magistralmente as palavras no desenrolar do enredo, transformando a história bizarra de um pedófilo sofredor em uma narrativa na qual o leitor se encontra absorto a qualquer acontecimento. A riqueza vocabular e a criatividade criaram dois chavões da linguagem atual, “lolita” e “ninfeta”, que significam meninas menores de idade precoces ou sexualmente atraentes.
O livro tem duas transposições para o cinema, sendo uma do aclamado diretor de “Laranja Mecânica”, Stanley Kubrick (1971), e a outra de Adrian Lyne, (1997).
O texto de Nabokov foi escrito em primeira pessoa, sendo narrado por seu protagonista (o que também ocorre no filme). O solitário professor de literatura francesa, Humbert Humbert, assume toda a impressão dos fatos reais conforme sua visão pedófila, o que deixa a história simultaneamente mais intrigante e fascinante.
Percebi que, como toda adaptação cinematográfica, o filme de Kubrick não abrange todos os fatos narrados no livro com fidelidade, mesmo com duas horas e quarenta minutos de duração. Seu roteiro anula praticamente toda a primeira parte do romance auto-biográfico do próprio personagem, o que de certa maneira prejudica o enredo, uma vez que esta demonstra o passado do narrador: seus pensamentos e atitudes pedófilas são justificadas por um romance mal acabado em sua juventude. Baseando-se neste acontecimento, escreve justificando-se ao mesmo tempo para o leitor e o júri (na história, o texto foi escrito quando estava na cadeia, por homicídio).
Mas Kubrick começa pelo fim. Ao descobrir que “Lo-li-ta” tinha relações com outro pedófilo, Claire Quilty, Humbert quis matá-lo, mesmo depois de ser dispensado por ela. Ao chegar à casa de sua vítima, Humbert encontra-o bêbado. Eles desenvolvem um diálogo com falas muito bem desenvolvidas do roteiro, baseado no texto do livro. O ator de Quilty, Peter Sellers, representa perfeitamente um irônico dramaturgo, que atua o tempo todo para Humbert, tentando distrair e enganar seu rival.
Felizmente, na transposição as personagens principais não sofreram modificações em sua essência: quando Humbert chega na casa, a mãe de Dolores (Lola) demonstra, em ambas as versões, que é descontrolada emocionalmente, insinuando-se o tempo todo para ele. Lolita é inocente, mas tem o perfeito ar de ninfeta ao qual Humbert se refere, quando se excita em sua presença, com sua visão sexualmente alterada.
A história se passa mais ou menos na década de vinte. O pedófilo é um europeu conservador totalmente reservado e muito reprimido devido à ciente condição de sua perturbação; dentro de suas próprias elucubrações, faz auto-criticas o tempo todo. Kubrick retratou isso muito bem com a filmagem em preto e branco feita em diferentes focos, e com um figurino de época que dá um toque especial à trama.
Lolita vai a um acampamento para meninas. Humbert casa-se com sua mãe, como forma de contentar seu desejo reprimido de ficar perto de “Lo”; ele não tinha saída, já que Charllote se declarou em uma carta, e iria despeja-lo se não quisesse ficar com ela. Após descobrir o diário secreto dele, que tinha diversas ofensas para a ela e perversões para sua filha, a recém sra. Humbert sai correndo pela rua e é atropelada. Ironia do destino, sorte para nosso protagonista: a morte de sua nova esposa é recebida indiferentemente por ele.
As pequenas mudanças na ordem dos fatos e de alguns detalhes da história fizeram o filme consagrar muito mais a figura de Lolita do que a do próprio protagonista. A figura de Quilty está bem mais presente nas filmagens do que nas páginas do livro, porque o filme mostra com onisciência a realidade, enquanto o próprio livro se expõe como uma auto-biografia de Humbert. Mas em ambos os meios, no final, Humbert se espanta de não ter notado que “Lo” mantinha relações com outro homem maduro.
Seria impossível transpor perfeitamente Lolita do papel para as telas. A linguagem rebuscada e trabalhada do verdadeiro escritor do livro, Vladimir Nabokov, tornou o sofrível passado de um homem doente em poesia: Lolita é poesia em prosa. Porém, ao retratá-la em um filme, Kubrick expressou com fidelidade a essência da obra, adaptando as situações escritas a uma atuação que transmitisse a idéia do autor, de toda sua delicadeza mórbida de contar desejos sexuais sem chavões pornográficos.
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